pia é feminino
mesa é feminino
máquina é feminino
parede é feminino
cama é feminino
cadeira é feminino
estante é feminino
cortina é feminino
escada é feminino
louça é feminino
xícara é feminino
garrafa é feminino
tomada é feminino
caixa é feminino
gaveta é feminino
vassoura é feminino
torneira é feminino
cômoda é feminino
seio é masculino
útero é masculino
Tag: poesia
se chove
se chove
e você olha
muito tempo
para a chuva
você acha
que está passando
mas
na verdade
continua chovendo
com a mesma
intensidade
você só
se acostumou
com um horizonte
fora de foco.
casa
quando passo em frente
daquele terreno
com a casa destruída
e as marcas
que restaram na parede
dos azulejos e degraus
tento desenhar com linhas
a casa que existia
me imagino ali
com alguém
me trazendo uma
xícara de café
me dando um
beijo na testa
ou qualquer gesto
de ternura
porque é disso
que eu preciso
uma casa construída
com linhas
e um pouco de ternura
seu nome
queria escrever
o seu nome
rabiscar
várias vezes
o contorno da palavra
seu nome
como um corpo
repetiria o gesto
em todos os círculos
e semi-círculos
das letras
pensando nas suas costas
como morrem as samambaias
Olha! Tá vendo? Ali, aquela samambaia. Já reparou como morrem? As samambaias, eu digo. Elas perdem a cor. Depois, secam de dentro pra fora e daí as folhas caem uma a uma. E são pequenas as folhas de uma samambaia. Caem secas e mortas.
ela
quando chego a porta já está aberta
sentada
de costas
na posição de sempre
eu também sento
na cadeira de sempre
meus pés não encostam no chão
sem a pequena almofada nas costas
posiciono a almofada enquanto
ela fala que
preciso segurar as rédeas da minha vida
quando ela fala que
tenho que segurar as rédeas da minha vida
faz um movimento com os braços
como se estivesse montando um cavalo
como um jóquei
falo que sou um veleiro
e que me sinto à deriva.
parada no farol
parada no farol
pensando
que deveria ter lido meu poema
sobre a palavra calêndula
que na verdade era sobre sândalo
quando me dei conta
o poema já estava pronto
a professora falava sobre pele
sobre trocar de pele
como uma serpente
ela falava sobre
a serpente que devora seu próprio corpo
parada no farol
no carro ao lado uma menina olhava pela janela
subia e descia o vidro
eu sorri
porque é isso que fazemos com crianças
eu sorria
ela me encarava
lembrei do homem que mastigava
sua própria pele
uma camada
desprendendo do corpo
o vidro subia e descia
um par de olhos azuis
encarando o meu sorriso
lembrei da palavra sândalo
nada a ver com calêndula
mas as duas me lembram
pêndulo
o farol abriu
a menina se foi
e eu também
cantando o refrão de uma música que conheci
quando tinha uns 15 anos.
um bujãozinho de gás
empilhado dentro de algum lugar
armazenado, transportado
contido.
depois, dentro da minha casa
a possibilidade que ele carrega
explodir a qualquer momento
um bujãozinho de gás
azul metálico.
nunca nunca nunca
eu nunca nunca nunca
quero vender poemas soltos
oferecer um por 3
dois por 5
para duas mulheres cansadas
uma bebendo um cosmopolitan
a outra uma caipirinha
prefiro que fiquem mudos
perdidos na rede ou na nuvem
eu nunca nunca nunca
quero ler os meus versos
para duas mulheres
que ficam sem graça
quando ofereço mais um
sem compromisso
pode me falar
Pode me falar que sente muito
Pode me falar que vai passar
Pode me falar que vai mudar
Pode me falar que é assim mesmo
Pode me falar que é parte da vida
Pode me falar pra não chorar
Pode me falar que ela tá vendo
Pode me falar pra lembrar
Pode me falar que é natural
Pode me falar pra rezar
Pode me falar que ela foi boa
Pode me falar que eu sou jovem
Pode me falar pra falar com ela
Mas faz quatro anos
E só aumenta.