na paulista
pego o Terminal Pirituba
logo pensei má ideia
ônibus lotado
todo mundo espremido
devia ter ido de metrô
na vila madalena
esvazia um pouco
competição por um assento
ganhei!
sentado ao meu lado
um gordo
me espremo no que resta do banco
do outro lado
um cara de pé
escutando música com um fone azul
o fio do fone
balançava com a cintura
movimentos circulares
a cada balanço dele
me esquivo
abro um livro
tento focar no texto
Mas não estou seguro de fazer isso bem. Sinto-me próximo demais daquilo que conto. Abusei de algumas lembranças, saqueei a memória, e também, de certo modo, inventei demais. Estou de novo em branco, como uma caricatura do escritor que contempla impotente a tela do computador.
me esquivo
tento focar no texto
Sim. Mais ou menos. Mas o livro é meu. Não poderia deixar de aparecer. Ainda que me atribuísse outros traços e uma vida muito distinta da minha, do mesmo jeito eu estaria no livro. Já tomei a decisão de não me proteger.
me esquivo
a cintura dele roçando no meu braço
me esquivo
Estou nessa armadilha, no romance. Ontem escrevi a cena do reencontro, quase vinte anos depois. Gostei do resultado, mas às vezes penso que os personagens não deveriam voltar a se ver.
entre o cara e o gordo
na quinta roçada
abaixo o meu livro-disfarce
fito o olho dele:
para de esfregar esse seu pinto no meu braço!
penso. só isso.
rapidamente ele se vira e anda na direção da saída